Moradores De Região Turística Usam Cadeados Para Bloquear o Acesso de Estranhos e Isolar a Comunidade do COVID-19
|Os municípios como São Gonçalo do Rio das Pedras e Milho Verde são locais de destino de turistas de todo Brasil. Com a pandemia e a queda brutal no segmento de turismo, alguns lugarejos como Capivari passaram a usar cadeado com segredo para permitirem o acesso somente para moradores e isolar a população de um possível contágio.
No Alto Jequitinhonha, alguns lugarejos e municípios, como o do Serro, são conhecidos pela paz e o sossego que vivem as comunidades e acabam por tornarem-se o destino de turistas em busca da natureza e da tranquilidade. Hoje, com a pandemia, os locais pararam quase de todo. Pousadas e hospedarias sem qualquer ocupação. A região como um todo está deserta, apenas os moradores locais transitam pela área.
Como medida de segurança, as vias de acesso à área de Milho Verde, que dista aproximadamente vinte e quatro quilômetros da região mais urbana, foram bloqueadas com o objetivo de evitar que a epidemia chegue ao local.
A decisão pelo lockdown foi da própria Prefeitura da cidade de Serro e a medida teve o suporte dos 1600 residentes locais, todos preocupados com as chances da infecção chegar ao local trazida pelos turistas ou visitantes.
A via de entrada para o Distrito de São Gonçalo foi, que fica na mesma estrada para Milho verde, foi bloqueada da mesma forma. Também uma outra comunidade próxima, Capivari, está com acesso bloqueado pelo receio do coronavírus. No caso de Capivari, os moradores utilizaram um cadeado com segredo para trancar a porteira de entrada. Só mesmo os próprios moradores possuem a senha para acesso ao arraial, localizado próximo do conhecido pico do Itambé, uma região bastante buscada por visitantes e turistas.
Outra medida tomada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) foi a interdição de todas as visitas às famosas cachoeiras e também outras áreas consideradas de proteção na região como um todo.
Uma localidade às antigas, os moradores locais costumam reunir-se em frente às casas para uma conversa na rua, geralmente ruas de terra, Milho Verde agora experimenta uma situação inusitada. Até mesmo este velho costume da comunidade está sendo alterado pela pandemia. O uso de um carro com alto falantes passou pelas ruas sugerindo que todos deveriam manter-se dentro das casas e para que evitassem aglomerações desnecessárias. Realmente a COVID-19 está alterando a vida dos brasileiros nos lugares mais remotos.
Um local que possui apenas três pequenos mercados, ao estilo mercearias antigas, o arraial experimenta novidades como regras de agrupamentos e de higienização que nenhum morador viveu antes.
Proprietários de hospedarias de pousadas foram obrigados a cancelar reservas para os feriados como a Semana Santa, Tiradentes e Dia do Trabalho. Estas datas sempre foram marcadas por um grande número de turistas buscando as atrações da região toda. Ainda que isto signifique perdas de grande monta, todos afirmam que apoiam as medidas de distanciamento social impostas pelos governos estaduais, como forma de evitar a propagação do COVID-19.
Em Milho Verde, Maria dos Anjos proprietária de uma pousada que possui o nome do distrito, diz que não tem uma ideia precisa das perdas, mas que será bastante significativa. Afirma que já havia efetuado várias reservas, para grupos de turistas e excursões e casais nos meses que se seguiriam, principalmente nos feriados prolongados. Foi necessário o cancelamento total e não há qualquer perspectiva que estes voltem a serem confirmados novamente. A parada geral, em razão do coronavírus, deixou-a sem qualquer previsão de início de novos agendamentos.
Embora seja uma forte perda para quem vive exclusivamente do turismo, uma das primeiras atividades atingidas pela pandemia e que teve uma queda de 100%, Maria dos Anjos afirma que aceita de bom grado o impedimento de novos visitantes na região como forma de proteção aos moradores locais e de evitar que a COVID-19 se espalhe por esta área toda também.
Diz ela que temos que pensar que o “Dinheiro não é tudo”, embora esteja vendo seus 45 leitos desocupados e que a cobrança de uma diária de R$ 160 para cada casal (aqui inclusos café da manhã e metade da pensão) irá ter um impacto muito forte na renda e no bom andamento de seu negócio, ainda aposta que esta luta será vencida e que voltaremos todos à normalidade.
Outra que foi afetada pela pandemia foi Susan Chiode Perpétuo, que arrenda a pousada denominada Luar do Rosário, localizada na mesma área de Milho Verde. Susan diz não saber do que acontecerá e teme até em perder definitivamente no seu negócio por não conseguir aguentar os prejuízos, mas, mesmo assim, dá seu suporte a todas as medidas de distanciamento.
Susan faz uma triste comparação ao afirmar que as perdas são grandes, que Milho Verde só tem esta fonte de renda baseada no turismo, que o risco de seu negócio falir é grande, mas que irá em busca de algum tipo de financiamento para recuperar o seu meio de vida daqui uns 6 a 8 meses. Afirma que o negócio pode ser recuperado, mas a morte não tem qualquer possibilidade de recuperação. Não é somente nesta região que se houve as mesmas falas de quem sobrevive basicamente do turismo.
A pousada de Susan tem 33 vagas e ela cobra por volta de R$ 200 a R$ 240 pelo casal com café da manhã incluso. Diz ela que este tipo de quarentena é o pior que poderia acontecer para seu negócio, mas concorda que todo o planeta deve buscar formas de conter a epidemia que está ceifando muitas vidas.
O proprietário do restaurante Angu Duro, um dos poucos e de destaque na região, Sérgio Luiz Guimarães, afirma ter decidido fechar seu negócio por decisão própria, já há uma semana, e que não faz a menor ideia de quando irá reabrir novamente ao público.
Confirma ele o que os demais comerciantes da região afirmam, ao dizer que toda a região de Milho Verde depende praticamente só dos turistas para a manutenção da economia regional. Todos os proprietários de áreas de repouso, hospedarias e pousadas contavam com a melhoria no faturamento nestas semanas de feriados prolongados.
Sérgio diz que, logo após uma temporada mais baixa, a época de férias e este momento é quando eles conseguem faturar para “pagar as contas”. No momento estão todos meios atordoados com a situação e o temor é que o coronavírus seja o causador de um ano todo perdido, sendo 2020 já passado para aqueles que esperavam por um crescimento no turismo regional.
Um Toque de Recolher Implantado
Todos os moradores da região de São Gonçalo do Rio das Pedras, distante cerca de 8 km de Milho verde, ainda dentro do município do Serro, somado ao isolamento preventivo para evitar a disseminação do vírus, os nativos locais estão sendo obrigados ao cumprimento de uma espécie de “toque de recolher”. Praticamente todos os estabelecimentos locais estão proibidos de operar, salvo alguns como restaurantes, permitidos funcionarem em sistema de delivery. Atendimento ao público não está sendo permitido.
Uma das residentes, Cleide Greco, que é veterinária e também sanitarista, foi contra as regras implantadas. Afirma que existe um claro exagero e que isto está contribuindo para a geração de pânico e para a criação de um ambiente de desespero e afeta psicologicamente a todos. Com a criação de um grupo de WhatsApp, que deveria prestar esclarecimentos e serviços às famílias necessitadas, acabou-se gerando uma ferramenta de disseminação de fakes de fofocas, com pessoas vigiando movimentos e a vida de outras.
Ainda assim, ela concorda com a criação de barreiras, bloqueios de acessos e mesmo o fechamento total da cidade, já que grande parte da população é mais carente e, na sua grande maioria, composta por idosos.
Outra situação que ela considera grave é o fato que o atendimento de saúde local, através de um posto, está sem um médico como resultado do mesmo ter se afastado por ter mais de 60 anos. Ficou apenas uma enfermeira fazendo atendimento.
Um Cadeado Instalado na Principal Via de Acesso
Uma decisão radical dos residentes no pequeno povoado de Capivari, ainda dentro do município do Serro, foi tomada pelos nativos locais decididos a manter um isolamento mais efetivo e garantir o afastamento da contaminação na área. Os moradores colocaram um cadeado em uma porteira de acesso à estrada que dá entrada no lugar que está localizado há 15kms de Milho Verde. Apenas os residentes do arraial de Capivari podem acessar o local pois são os únicos que possuem o segredo que abre o cadeado da cancela.
No arraial existem pouco mais de 120 casas e o número de moradores é de apenas 300 pessoas. Esta é uma área bastante procurada em razão do paisagismo no conhecido pico do Itambé que destaque como ponto mais alto de toda a Serra do Espinhaço, com 2060m de altitude.